domingo, 17 de setembro de 2017

Da neblina interior

É o último Marlboro da carteira.

O sino badala sete vezes e um escuro toma conta do céu. Da minha janela, as pessoas parecem patéticas acendendo suas lâmpadas e fechando suas cortinas, na tentativa de ignorar o ciclo natural do dia. Ignorar o ciclo natural é o que fazem com as próprias vidas. Sinto que meu gato pançudo sentado à beira da janela – e a essa altura fedendo a fumaça – concorda. Ele tem esse olhar julgador e soberano sobre tudo.

A cidade é bonita à noite. Hipocritamente bonita. Vê-la assim, em pontos de luzes num fundo negro, como um quadro vivo, me afasta dela. Interruptores e estrelas acionam-se simultaneamente. E eu... permaneço aqui: invisível na minha pequena escuridão não fosse a ponta acesa do cigarro desenhando riscos diagonais no ar. Minha terapeuta quis saber por que comecei a fumar. Ela sempre quer os motivos. Quer que eu pense sobre eles. Cada nuvem de fumaça que entra no meu corpo torna a neblina que existe dentro de mim mais densa. É um vazio turvo. Foi por isso.

O vento mistura o cheiro do fumo ao do café. Não é agradável. A síndica, velha fofoqueira, passa com o lixo. Não é permitido fumar. Sem pensar, jogo o que resta do cigarro na xícara de café e ele apaga. Era meu último Marlboro. Ela não me vê. 

O filtro molhado boia no líquido escuro.

Eu não estou me importando com os meus pulmões. É como se fumar fizesse parte de um pequeno projeto de autodestruição. E me parece duplamente benéfico. Por um lado, ativo meus receptores colinérgicos e me dou algumas doses diárias de felicidade artificial. Por outro, é como se eu cometesse pequenos suicídios mediados, célula à célula – e deixar de existir sempre foi uma possibilidade.

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