sábado, 13 de agosto de 2016

Eu-árvore deixei cair minhas folhas e não era outono

No fim de um dia de início da primavera, enquanto a água quente do banho escorria sobre o meu corpo nu e desprotegido, estiquei a corda que dá para quem eu sou. Só então percebi meu estado de latência: esse no qual, para poder sobreviver, se vive com economia de sentimentos. Tentei pensar em que lugar do passado eu tinha me deixado. E nos motivos que fizeram com que eu fosse me desintegrando, de meia em meia-vida.

O não-eu, eu atual, quis rearranjar minhas partes deixadas com gente que não existe mais. Minhas folhas foram decompostas fora de época. A lentidão metabólica do que sobrou de mim se esforçava para que eu continuasse existindo, para que as raízes, a essência do que eu já fui, continuassem agarradas à terra.

Meus galhos secos eram frutos da dificuldade que eu tinha com o fim. É que eu, ainda plantinha frágil, pude perceber que não deviam existir finais felizes. Finais são sempre finais. Acabam. E se a felicidade está no final, tudo perde a razão. Fim significa ruptura. Cada folha doía para romper de mim. Quando rompiam e o tempo não era favorável, a dor era de morte. Morte precoce antes do outono.

Eu não sei quando, eu não consigo por numa linha do tempo o momento em que minha vida passou a ser este outono anual. Não dou mais frutos, não faço mais sombra. Porque relacionamentos terminam, tento manter apenas o contato superficial. Tenho medo de doar o pouco que me sobrou, deixar de ser criatura, voltar ao pó, porque as pessoas são vento: ventaneiam os meus pedaços e os pousam no esquecimento dentro si.