No fim de um dia de início da primavera, enquanto a água quente
do banho escorria sobre o meu corpo nu e desprotegido, estiquei a corda que dá
para quem eu sou. Só então percebi meu estado de latência: esse no qual, para
poder sobreviver, se vive com economia de sentimentos. Tentei pensar em que
lugar do passado eu tinha me deixado. E nos motivos que fizeram com que eu
fosse me desintegrando, de meia em meia-vida.
O não-eu, eu atual, quis rearranjar minhas partes deixadas
com gente que não existe mais. Minhas folhas foram decompostas fora de época. A
lentidão metabólica do que sobrou de mim se esforçava para que eu continuasse
existindo, para que as raízes, a essência do que eu já fui, continuassem
agarradas à terra.
Meus galhos secos eram frutos da dificuldade que eu tinha
com o fim. É que eu, ainda plantinha frágil, pude perceber que não deviam
existir finais felizes. Finais são sempre finais. Acabam. E se a felicidade
está no final, tudo perde a razão. Fim significa ruptura. Cada folha doía para
romper de mim. Quando rompiam e o tempo não era favorável, a dor era de morte.
Morte precoce antes do outono.
Eu não sei quando, eu não consigo por numa linha do tempo o
momento em que minha vida passou a ser este outono anual. Não dou mais frutos,
não faço mais sombra. Porque relacionamentos terminam, tento manter apenas o
contato superficial. Tenho medo de doar o pouco que me sobrou, deixar de ser
criatura, voltar ao pó, porque as pessoas são vento: ventaneiam os meus pedaços
e os pousam no esquecimento dentro si.