domingo, 26 de junho de 2016

Do não existir


Essa falta de existência a encabulava.

Não sabia dizer se era dor o que sentia. O sofrimento humano lhe parecia pior. Então chamou aquilo de vazio. Uma espécie de ventania que a soprava para o abismo.

Valentina nem sempre quis cair de verdade. Às vezes, só queria ver como as coisas ficavam pequenas lá de cima, tão pequenas e sem significado a ponto de se parecerem com ela. Aliás, chamava-se Valentina. Mas poderia ter qualquer outro nome que ele nada diria sobre quem era.

Perdeu as contas de quantas vezes ensaiou o pulo. Perdia-se nos pensamentos a imaginar a posição mais bonita para a morte. Os braços abertos, de bruços, rosto para o lado. A face tão serena que se não fosse a poça de sangue formada envolta da cabeça, diriam estar dormindo. Contudo, então, anoitecia e voltava para casa. O balão da eternidade preso à memória como companhia.

Nunca conseguiu afirmar, com certeza, se já existiu um lugar no qual se sentisse à vontade, realmente. Era peça de outro quebra-cabeça. Com frequência, concluía que já estava morta. O coração parar de pulsar era uma questão de tempo.

Essa falta de existência um dia fez sentido.


Na beiradinha do precipício, não pulou. Deixou ser queda. Abriu os braços, o vento soprava contra, agora, como se a impedisse. A liberdade tomou conta. A morte iminente, a avenida lá embaixo, essas coisas sumiram e deram lugar à felicidade absoluta. Era esse cair profundo o lugar de Valentina.